Superendividamento em tempos de COVID-19
- Jéssica Étienne Fortunato de Aquino
- 28 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Para Cláudia Lima Marques doutrinadora, professora de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), além de diretora da International Law Association, da International Association for Consumers Law e do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) o super endividamento é a “impossibilidade global de o devedor pessoa natural, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas fiscais, as oriundas de delitos e as de alimentos), em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio”.
Podemos afirmar que o superendividamento do consumidor extrapola a esfera da normalidade, tal que não corresponde a essa categoria aquele que por motivos diversos não consegue pagar uma conta de luz ou de telefone isoladamente.
É importante frisar que o instituto do superendividamento corresponde tão somente à pessoa natural, pois para empresas o instituto da falência e recuperação já se faz realidade no ordenamento jurídico.
A pessoa física afetada pelo superendividamento pode ser comparado a grosso modo à uma empresa em falência pois ele não terá condições atuais e nem futuras de honrar com seus débitos ainda que mês a mês usasse o dinheiro ganho para pagamento de suas dividas não garantindo assim o mínimo de uma existência digna.
Algumas das formas de superendividamento são:
crédito fácil;
abuso de crédito;
propaganda enganosa e abusiva;
falta de informação;
falta de educação financeira;
realização de empréstimos a juros altos para saldar outras dívidas;
acidentes da vida: desemprego, diminuição de renda, morte ou doença na família, divórcio, separação, acidentes, redução de carga horária ou de salário, nascimento de filhos, volta de filhos para a casa dos pais etc.
Como por trazido por Márcio Mello Casado em Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro:
"Na maioria dos casos, o superendividamento não se deve a uma única causa, já que o devedor deve fazer frente a um conjunto de obrigações derivadas de aquisição de bens e serviços de primeira necessidade, créditos hipotecários, carros móveis etc. e, inclusive, decorrentes do abuso e incorreto uso do cartão de crédito. Somam-se, ainda, causas não econômicas, tais como falta de informação e educação dos consumidores, rupturas familiares, acidentes ou enfermidades crônicas etc."
Superendividamento e a COVID-19
O brasileiro tem sido diretamente afetado pela crise causada pela pandemia da COVID-19. As consequências trazidas por tal doença não se limitam à saúde onde leitos hospitalares estão lotados, mas também a outros setores como a economia e consequentemente, ao núcleos familiares.
Dados colhidos pelo PNAD-COVID mostram que 26.8 % de pessoas afastadas do trabalho devido ao distanciamento social é a de trabalhadores domésticos sem carteira assinada e 8,3 milhões de pessoas estão afastadas devido ao distanciamento social - dados colhidos entre 28/06 e 04/07/2020.
A diminuição na renda do brasileiro influi no consumo onde segundo pesquisa realizada pelo CNC (concelho nacional de consumo):
"A intenção de consumo das famílias atingiu 66,1 pontos, o menor indicador da série histórica. Houve queda mensal de -4,0%, a quarta consecutiva, porém menos intensa do que nos dois meses anteriores. Tanto o Emprego Atual (85,1 pontos) quanto a Perspectiva Profissional (67,6 pontos) apresentaram os seus menores indicadores da série histórica, assim com a Renda Atual (78,9 pontos). Acesso ao Crédito obteve sua primeira variação anual negativa (-2,5%) desde abril de 2017 [CNC] "
Tal pesquisa realizada acima abordada nos mostra que o consumo do brasileiro em relação aos meses que o antecedem diminuiu de forma drástica, atingindo indicadores históricos.
As empresas também foram afetadas drasticamente pois 70,0 % das que ainda estão em funcionamento reportaram que a pandemia teve um efeito negativo sobre elas e 63,7 % indicaram dificuldade para realizar pagamentos de rotina na 1a quinzena de junho 2020.
Porém em momentos como esse e, em face a crise econômica anterior a da COVID-19 é certo dizer que a utilização de credito para honrar os débitos contraídos pode ser usado de forma excessiva, lavando grande parte dos consumidores já insolventes ao superendividamento.
PL 3515/15
Segundo economistas, a projeção de endividamento no pais passara dos quase 30 milhões antes da crise, para 42 milhões de pessoas endividadas.
Mas nem tudo está perdido. Há um projeto de lei que tramita desde 2015 específico para ajudar o consumidor nessa situação. O PL 3515/15, nada mais é que uma atualização do Código de Defesa do Consumidor em matéria de prevenção e tratamento do superendividamento.
Tal projeto já foi aprovado no Senado e está pronto para ser votado na Câmara de Deputados. Ele será responsável por inaugurar práticas de crédito de forma que estejam atentas à função social dita na Constituição de 1988 em seu Artigo 192.
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade [...]
Visa também combater o assédio ao consumo dos idosos e analfabetos existentes em outras sociedades democratizadas de crédito, além de trazer opções que permitem a recuperação dos consumidores e a sua reinclusão no mercado de consumo, já tal modalidade corresponde a grande parte de nosso PIB. O consumidor de boa-fé será beneficiado mediante a conciliação e a estruturação de um plano de pagamento em bloco das dívidas com todos os credores por meio da preservação do mínimo existencial.
Se tal projeto de lei for aprovado como forma de combate à crise que assola o país é certo que estaremos um passo à frente da retomada econômica que tanto necessitará o Brasil após esse período de Caos que enfrentamos.
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Bibliografia
CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006
De <https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/> De <http://www.cnc.org.br/editorias/economia/pesquisas/pesquisa-de-intencao-de-consumo-das-familias-icf-julho-de-2020>
AMORIM, Eduardo Antonio Andrade. O superendividamento do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2658, 11 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17597. Acesso em: 28 jul. 2020.
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